A Profa. Dra. Maria Margarida Martins Salomão, atual Reitora da UFJF, disse-me certa vez que Juiz de Fora tem uma luz estranha. Desde então, compartilho com ela desta cidade iluminada por uma incógnita.
O poeta Iacyr Anderson Freitas contou-me da visão de um guarda na Praça Antônio Carlos, posteriormente materializada num belo poema. Desde então, compartilho com ele deste lugar e deste personagem.
O pintor Dnar Rocha, mesmo sem o saber e desconhecendo quem seja este cronista, revelou-me cores e paisagens desconhecidas de Juiz de Fora. Desde então, compartilho com ele desta cidade plástica.
No livro A idade do serrote, Murilo Mendes transforma em prosa poética os personagens e acontecimentos da sua Ítaca perdida. Desde então, compartilho com ele desta cidade cercada de mulheres e pianos por todos os lados.
Algumas das peças escritas por José Luiz Ribeiro, diretor do Grupo de Teatro Divulgação, fizeram-me enxergar o passado e o presente de Juiz de Fora com a ironia e o lirismo que caracterizam a obra do dramaturgo. Desde então, compartilho com ele dos bastidores e do proscênio desta cidade.
Desde que nos conhecemos, minha mulher desvelou-me a sua meninice entre os bondes e as personagens do bairro São Mateus. Desde então, compartilho com ela da infância idílica que não tive em Juiz de Fora.
O poeta Edimilson de Almeida Pereira descreveu-me recentemente um crepúsculo visto de dentro de um ônibus na margem esquerda do Paraibuna. Desde então, compartilho com ele desta fugidia cena urbana.
As memórias de Pedro Nava nos oferecem um inventário das misérias e das grandezas de Juiz de Fora nas primeiras décadas deste século. Desde então, compartilho com ele deste Baú de ossos.
As obras dos artistas plásticos Stheling e Gérson Guedes me mostraram ângulos inauditos da arquitetura de Juiz de Fora. Desde então, compartilho com eles das texturas e das luzes desta cidade sonhado com pincéis.
Outros tantos foram pródigos em textos e imagens. Compartilho com eles da cidade que houve e não ouve a sua própria história, empenhada que está por inteiro no processo de desconstrução e construção. Les cités vont vite – e com elas as referências que nos permitem habitá-las, descobrindo numa qualquer fachada não o fóssil do passado, mas o animal vivo do nosso imaginário. O que fora urdido por nossas próprias mãos, como espelho, torna-se labirinto, Babel de todos e de ninguém.
Não quero a cidade imobilizada como museu a céu aberto. Não quero a cidade a cultuar cadáveres e naturezas mortas. Quero a cidade das passagens que as galerias do centro concretizam. Passagens onde possa transitar entre a geometria bruta dos edifícios de estética duvidosa e as curvas transtornadas do art nouveau. Passagens para a confluência dos tempos, para estratégias de leitura de uma cidade que todos escrevemos.
Fernando Fiorese
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