segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A cidade, a ditadura e os estudantes

Juiz de Fora ficou conhecida nacionalmente como a cidade de onde partiu o Golpe Civil Militar. Mais recentemente, a divulgação de um depoimento da presidente Dilma Rousseff onde relatou sua passagem pela cidade, identificou Juiz de Fora como um centro de tortura e colocou-a na memória nacional como uma cidade reacionária. Mas uma cidade traz consigo marcas de diferentes citadinos que a praticaram. Histórias e memórias que se sobrepõem, constituindo-se fios que ao serem tecidos formam a história da cidade.

Juiz de Fora não tem apenas as marcas reacionárias durante a Ditadura Civil Militar Brasileira. Seus praticantes a fizeram palco de importantes lutas na busca pelas liberdades democráticas. Dentre estes representantes de uma história de oposição e de resistência, destaco o Movimento Estudantil, formado por seus diversos militantes, seja da geração de 1968, que enfrentou os anos mais duros da repressão militar, seja a geração da transição dos anos 1970, que lutou pelas liberdades democráticas. Na cidade, a cultura serviu como forma de mobilização em diferentes momentos e, entrelaçada aos discursos da juventude com horizontes utópicos, tornou-se o substrato onde a arte floresceu.

O movimento estudantil juizforano integrava-se às lutas embrenhadas por todo o país e levava à cidade a se envolver em uma luta ampla pelo fim da Ditadura. Quando o apito da panela de pressão soou nos grandes centros, representando uma ebulição dos movimentos sociais e um protagonismo destes no processo de transição, alargando seus limites, o movimento estudantil de Juiz de Fora foi pra rua, enfrentou a ditadura e lutou pelas melhorias na universidade, por mais verbas para a educação, pela melhoria no transporte para o campus da UFJF, e junto com esta pauta levava a luta “pelas liberdades democráticas”. Os estudantes enfrentaram a policia e cachorros, como no caso da conhecida Greve dos Cachorros no ano de 1978, viam nos políticos da ARENA e no reitor da universidade, indicado pelo presidente, os braços da ditadura na cidade. Os estudantes juizforanos também estiveram presentes no Congresso de Salvador, para reconstruir a UNE, lutaram pela anistia política, construíram partidos, integraram a vida política e levaram o Brasil para construir sua democracia.

Por tudo isso, convido você a pensar Juiz de Fora para além de suas marcas reacionárias, mas entendê-la como uma cidade que tem em sua história as marcas da memória daqueles que lutaram pelo fim da ditadura e defenderam a democracia. Esta história e estas memórias são o que pesquiso.

Gislene Lacerda. Doutoranda em História Social – PPGHIS / UFRJ; Autora do livro: “Memórias de Esquerda: o Movimento Estudantil em Juiz de Fora de 1974 a 1985”.



domingo, 16 de setembro de 2012

Cosmopolitismo desperdiçado


Dizer uma cidade é rascunhar a partitura de uma polifonia. São muitas línguas, sotaques vários, entonações dissonantes, dialetos cruzados. Uma cidade se diz no local e no estrangeiro, porque aspira e se realiza como tal apenas no ser cosmopolita. Depois de 27 anos nesta cidade, ainda não encontro resposta para a indagação que certa vez me dirigiu um poeta, artista plástico e jornalista local, hoje radicado em Belo Horizonte: “Por que Juiz de Fora não se tornou cosmopolita?”

Apenas consigo acrescentar a esta uma outra pergunta: “Por que, mal aqui desembarcam, os ‘estrangeiros’ se tornam juizforanos?” E ainda que não nos seja possível definir objetivamente esse ser-juizforano, ao menos um traço ressalta e contamina todos. Trata-se de um olhar excessivamente crítico sobre a cidade, se não desprezo, uma indiferença, um certo pas mal esnobe em relação ao clima, à topografia, à cultura, às questões locais. Para esse enigmático ser-juizforano, a cidade é mera passagem, lugar de trânsito e de eternos trânsfugas. Por isso, raros são os estrangeiros que acrescentam à cor local as tonalidades de suas cidades e países.

 Como professor da UFJF já tive alunos de São Paulo e do Pará, do Espírito Santo e do Triângulo Mineiro, de Angola e de Moçambique, do Japão e do Peru. Onde as línguas, sotaques, entonações, dialetos, as cores e a cultura desses estrangeiros? Parece que a hospitalidade do ser-juizforano não ultrapassa o nível da acolhida física. E assim os estrangeiros logo se tornam locais, assumindo os nossos defeitos e qualidades. Seja pela ausência de meios adequados ou pela contaminação do ser-juizforano, tais estrangeiros são compelidos a também habitar a cidade como um lugar de passagem, onde apenas por esquecimento se deixa algo: um botão, um bilhete, um disco, uma lembrança rasurada.

A construção de uma identidade histórica e afetiva de Juiz de Fora deve privilegiar estratégias de afirmação do cosmopolitismo, resgatando as origens polifônicas da cidade (negros, alemães, sírios, italianos, portugueses, libaneses etc.) e criando espaços para a incorporação de manifestações multiculturais. A continuar o desperdício deste cosmopolitismo latente, Juiz de Fora corre o risco não apenas de permanecer na contramão do provincianismo, mas de declinar do papel de pólo regional, de cidade educadora, de paradigma da Zona da Mata.

Trata-se, antes de tudo, de forjar uma identidade, uma imagem de Juiz de Fora, na qual os seus habitantes possam ler o que a cidade produz e contém. Desta forma, a mentalidade do ser-juizforano se fará disponível para acolher todas as dimensões do outro, para acrescentar-se das mínimas diferenças do estrangeiro. Seria desnecessário dizer que a urdidura desta imagem identitária de Juiz de Fora deve passar necessariamente pela cultura e pela arte, pela divulgação ampla e sistemática das representações literárias, plásticas e teatrais que se fez e se faz da cidade. De modo que, tanto para os seus habitantes quanto para os estrangeiros, Juiz de Fora se torne uma cidade visível.

Fernando Fiorese 


COMMUNICATION, CITY AND MEMORY


This space is aimed to gather thoughts on the interfaces established among the narratives that constitute the communication processes, the sociability established in the urban centers and the memory recognized as identity and cultural mark of our societies.
This space is neither restricted nor is it meant to be. Certainly, it reveals part of the intellectual production of a cunning group of professors, workers and students of the Federal University of Juiz de Fora, which has chosen to think about this issue and renew it with substantial contributions.
The blog’s proposal is to overcome the barriers of the academic world and integrate new minds into the group, as well as highlight the issues discussed in the meetings of the research and extension projects, so that the vitality of these discussions can go beyond the constraints of time and space, and reach a far greater audience.
The reflection (and the passion) must drive our group in order to motivate our hearts and minds and make them aware of a more critical reading of means of communication, of the life in the cities and social memory, as raw materials for the understanding of the others and of the scenarios in which we are inserted.
The technology is our ally in the diffusion and integration of knowledge we produced to other groups of reflection. We wish to create a network of information and affection, in which the ideas can move freely and can collaborate in the construction of a more human and righteous society.

Christina Ferraz Musse


Versão em português

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

IV Seminário Memória: Patrimônio, Oralidade e Acervo 19 a 21 de setembro

INSCRIÇÕES PRORROGADAS ATÉ O DIA 18 DE SETEMBRO DE 2012 OU ENQUANTO HOUVER VAGAS

Local: Auditório do Banco do Brasil
Rua Halfeld, 770 – Centro.
Juiz de Fora – Minas Gerais.


Objetivos:
- Possibilitar a reflexão sobre os vários aspectos que envolvem a construção da memória;
- Enfatizar a importância da entrevista oral como fonte de pesquisa;
- Conhecer novas formas de acesso aos acervos de instituições;
- Difundir o conhecimento da metodologia e catalogação de bens culturais de modo a contemplar a diversidade cultural;
- Debater sobre a preservação do patrimônio cultural na gestão e planejamento do desenvolvimento urbano;
- Proporcionar a difusão de experiências e potencialidades educativas dos museus, bem como a relação destes com a sociedade.


Público alvo: Historiadores, pesquisadores, arquitetos e urbanistas, jornalistas, artistas plásticos, pedagogos, psicólogos, museólogos, turismólogos, bibliotecários, estudantes e comunidade em geral.


Inscrições: 03 de setembro a 14 de setembro de 2012, das 8h às 12h e das 14h às 18h.
Local: Funalfa, Avenida Barão do Rio Branco, 2234 – Centro. Juiz de Fora – Minas Gerais.
E-mail: dipac.funalfa@gmail.com
Fones: (32) 3690-7327 e (32) 3690-7034


Número de vagas: 150.


Programação:


19/09 – Quarta-feira:
9h – Credenciamento.
9h30 – Abertura oficial: Superintendente da Funalfa Antonio Carlos Siqueira Dutra.
10h00 – Palestra: História Oral e Memória. Profª Drª Mirian Hermeto (Núcleo de História Oral FAFIEH/UFMG).
Intervalo
14h – Palestra: Digitalização de acervos e as políticas de disponibilização em rede. Profº. Ms. Pedro de Brito Soares (Diretor de Conservação de Documentos do Arquivo Público Mineiro).
15h – Debate.
15h30 – Café.


20/09 - Quinta-feira:
9h - Mesa Redonda: Memória Afrodescendente de Minas Gerais. Profª. Maria Luiza Higino Evaristo, Ms. Gilmara Santos Mariosa, Profª. Ms. Giane Elisa de Almeida. Mediador: Profº Drº Ramsés Albertoni Barbosa.
10h30 – Debate
11h – Café
Intervalo
14h – Palestra: Inventário de Referências Culturais em Ribeirão Preto. Drª. Adriana Silva (Secretária da Cultura de Ribeirão Preto, Doutora em Educação.).
15h – Palestra: Patrimônio Cultural e Planejamento Urbano. Profª Drª Maria Cristina Rocha Simão (Diretora de Pesquisa, Graduação e Pós-Graduação do IFMG Campus Ouro Preto).
16 h – Café
16h15 – Debate


21/09 - Sexta-feira:
9h – Palestra: Museus e Educação. Dra. Maria Esther Valente [Coordenadora de Educação em Museus - CED / Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST / ICOM-BR (Conselho Internacional de Museus)]
10h - Palestra: Museus, Patrimônio e Sociedade. Ms. Cícero Antônio F. de Almeida (Coordenador do Patrimônio Museológico – CPMUS- IBRAM / UNIRIO)
11h – Café
11h15 – Debate

domingo, 9 de setembro de 2012

O Diário Mercantil e o I Festival de Cinema Brasileiro de Juiz de Fora


A década de 60 é considerada por alguns historiadores como os “anos rebeldes” devido aos vários movimentos de contracultura que ocorreram naquela época. O mundo estava alavancado pelas inovações tecnológicas que progrediam e entusiasmavam o homem. Certamente, a política era o combustível que mais fermentava este progresso fascinante.

Apesar da maior parte da década de 1960 estar sob o regime militar, Juiz de Fora tinha uma produção cultural fervilhante. Os militares certamente pensavam que a vitória armada era a vitória sobre o comunismo, mas não poderiam imaginar que a esquerda fazia política ocupando os cargos intelectuais em jornais, universidades e tornava-se a classe de expressão no país.


O PCB (Partido Comunista Brasileiro) contribuiu significativamente para o debate cultural tão valorizado daquele período, principalmente pela forte militância dos jovens que, ligados também à Universidade Federal de Juiz de Fora, discutiam assuntos relacionados à política nacional, à vida na cidade, à família, empreendendo discussões teóricas significativas daquele período, movimentando forças contestatórias e críticas. É em meio a esta florescente vida cultural, universitária e política que é concebido e realizado o I Festival de Cinema Brasileiro de Juiz de Fora, entre os dias 28 e 31 de maio de 1966. O evento contou com a ampla cobertura do jornal impresso “Diário Mercantil” que levou à população da época todas as principais informações sobre o dia-a-dia do Festival.

Mais do que uma cobertura factual daquele momento, nas páginas amareladas e já muito maltratadas pelo tempo do jornal DM estão delineados os reflexos de uma cidade que respirava cultura e que produziu o primeiro Festival de Cinema do Brasil. Graças ao jornalismo produzido naquela época podemos vislumbrar, pela fechadura da memória, o cenário histórico e social de uma cidade que hoje permanece viva apenas na lembrança daqueles que usufruíram as dores e as delícias dos anos 60.

Ferramenta da memória, que permite ao presente a observação de fatos pretéritos, o “Diário Mercantil” converte-se também em objeto da análise científica, funcionando como um instrumento de apoio ao pesquisador, fornecendo-lhe os dados de que este necessita para empreender um estudo objetivo e reflexivo sobre o passado, suas peculiaridades, o modo de ser de uma cidade e a maneira pela qual era contada e transmitida sua história.  

Karina Menezes Vasconcellos

MUSSE, Christina Ferraz. Impressa, cultura e imaginário urbano: exercício de memória sobre os anos 60/70 em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Funalfa, 2008.

NASCIMENTO, Durbens Martins. Guerrilha no Brasil: uma crítica à tese do “Suicídio Revolucionário” em voga nos anos 80 e 90. 2004. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/cantareira/novacantareira/artigos/edicao5/guerrilha.pdf>. Acesso em: 18/07/2012.