As metáforas arqueológicas são as que melhor dizem da relação do homem com as cidades. Habitar uma cidade é escavar as camadas de tempos e espaços, acumuladas e justapostas pelo trabalho de gerações. Labirinto ou Babel, a cena da cidade é menos a matéria concreta de ruas, construções e alguns poucos resíduos naturais do que as imagens e textos registrados na memória e no imaginário dos seus cidadãos.
Mesmo sem a viagem física, ao leitor contumaz é possível dizer da Berlim de Theodor Fontane e Walter Benjamin, da Paris de Charles Baudelaire e Victor Hugo, do Rio de Janeiro de Machado de Assis e João do Rio, da São Paulo de Oswald e Mário de Andrade. Mas será possível, a nós, habitantes desta cidade, dizer da Juiz de Fora de Pedro Nava, de Murilo Mendes, de Rachel Jardim e tantos outros?
A ênfase excessiva nos aspectos materiais da cidade muitas vezes oblitera a nossa capacidade de pensá-la pelo viés da memória e do imaginário de seus habitantes. Mesmo porque, ao contrário do que acontece em Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro (apenas para citar as mais óbvias), as instituições públicas e privadas de Juiz de Fora muito pouco têm-se empenhado na construção de uma identidade histórica e afetiva da cidade.
Enganam-se os que pensam habitar apenas uma cidade física. Como um duplo, a Juiz de Fora da nossa memória nos habita, assombra a matéria do presente. Mesmo desfigurados ou extintos, os lugares e os acontecimentos pretéritos nos assaltam. A paisagem interditada por algum edifício nos espreita quando dobramos uma qualquer esquina. O tempo morto retorna diante do último resíduo arquitetônico do Cine Paraíso.
Habitar uma cidade é aprender a escavar as camadas de tempo e espaço que nos conformam enquanto cidadãos. Onde a Juiz de Fora de Murilo Mendes, cercada de pianos por todos os lados? Onde a Rua Halfeld como um rio de Pedro Nava? Onde as “Imagens de Juiz de Fora” cantadas por Manuel Bandeira? Onde os personagens anônimos de 150 anos de história? Infelizmente enclausurados em livros, álbuns de família, papéis devastados pelo tempo e algumas poucas memórias privilegiadas.
Não se trata de nostalgia nem de anacronismo. Para construir a cidade de todos e de cada um, urge tornar coletivos a memória e o imaginário de Juiz de Fora. Planejar uma cidade para o século XXI implica antes construí-la em nosso imaginário, uma obra antes afetiva do que material. E decerto, possibilitar o acesso dos cidadãos aos textos e imagens que registram o passado e o presente de Juiz de Fora é permitir que possamos encontrar a nossa identidade, mesmo que precária.
No plano das mentalidades, urge um plano estratégico que resulte em investimentos na construção de uma identidade afetiva e histórica de Juiz de Fora, na qual inscrevemos medos, esperanças e utopias para construir a cidade que nos habita na cidade que habitamos.
Fernando Fiorese
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