domingo, 16 de setembro de 2012

Cosmopolitismo desperdiçado


Dizer uma cidade é rascunhar a partitura de uma polifonia. São muitas línguas, sotaques vários, entonações dissonantes, dialetos cruzados. Uma cidade se diz no local e no estrangeiro, porque aspira e se realiza como tal apenas no ser cosmopolita. Depois de 27 anos nesta cidade, ainda não encontro resposta para a indagação que certa vez me dirigiu um poeta, artista plástico e jornalista local, hoje radicado em Belo Horizonte: “Por que Juiz de Fora não se tornou cosmopolita?”

Apenas consigo acrescentar a esta uma outra pergunta: “Por que, mal aqui desembarcam, os ‘estrangeiros’ se tornam juizforanos?” E ainda que não nos seja possível definir objetivamente esse ser-juizforano, ao menos um traço ressalta e contamina todos. Trata-se de um olhar excessivamente crítico sobre a cidade, se não desprezo, uma indiferença, um certo pas mal esnobe em relação ao clima, à topografia, à cultura, às questões locais. Para esse enigmático ser-juizforano, a cidade é mera passagem, lugar de trânsito e de eternos trânsfugas. Por isso, raros são os estrangeiros que acrescentam à cor local as tonalidades de suas cidades e países.

 Como professor da UFJF já tive alunos de São Paulo e do Pará, do Espírito Santo e do Triângulo Mineiro, de Angola e de Moçambique, do Japão e do Peru. Onde as línguas, sotaques, entonações, dialetos, as cores e a cultura desses estrangeiros? Parece que a hospitalidade do ser-juizforano não ultrapassa o nível da acolhida física. E assim os estrangeiros logo se tornam locais, assumindo os nossos defeitos e qualidades. Seja pela ausência de meios adequados ou pela contaminação do ser-juizforano, tais estrangeiros são compelidos a também habitar a cidade como um lugar de passagem, onde apenas por esquecimento se deixa algo: um botão, um bilhete, um disco, uma lembrança rasurada.

A construção de uma identidade histórica e afetiva de Juiz de Fora deve privilegiar estratégias de afirmação do cosmopolitismo, resgatando as origens polifônicas da cidade (negros, alemães, sírios, italianos, portugueses, libaneses etc.) e criando espaços para a incorporação de manifestações multiculturais. A continuar o desperdício deste cosmopolitismo latente, Juiz de Fora corre o risco não apenas de permanecer na contramão do provincianismo, mas de declinar do papel de pólo regional, de cidade educadora, de paradigma da Zona da Mata.

Trata-se, antes de tudo, de forjar uma identidade, uma imagem de Juiz de Fora, na qual os seus habitantes possam ler o que a cidade produz e contém. Desta forma, a mentalidade do ser-juizforano se fará disponível para acolher todas as dimensões do outro, para acrescentar-se das mínimas diferenças do estrangeiro. Seria desnecessário dizer que a urdidura desta imagem identitária de Juiz de Fora deve passar necessariamente pela cultura e pela arte, pela divulgação ampla e sistemática das representações literárias, plásticas e teatrais que se fez e se faz da cidade. De modo que, tanto para os seus habitantes quanto para os estrangeiros, Juiz de Fora se torne uma cidade visível.

Fernando Fiorese 


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