Dizer uma cidade é rascunhar a partitura de uma polifonia. São muitas
línguas, sotaques vários, entonações dissonantes, dialetos cruzados. Uma cidade
se diz no local e no estrangeiro, porque aspira e se realiza como tal apenas no
ser cosmopolita. Depois de 27 anos nesta cidade, ainda não encontro resposta
para a indagação que certa vez me dirigiu um poeta, artista plástico e
jornalista local, hoje radicado em Belo Horizonte : “Por que Juiz de Fora não se tornou
cosmopolita?”
Apenas consigo acrescentar a esta uma outra pergunta: “Por que, mal aqui
desembarcam, os ‘estrangeiros’ se tornam juizforanos?” E ainda que não nos seja
possível definir objetivamente esse ser-juizforano,
ao menos um traço ressalta e contamina todos. Trata-se de um olhar
excessivamente crítico sobre a cidade, se não desprezo, uma indiferença, um
certo pas mal esnobe em relação ao clima, à topografia, à cultura, às questões
locais. Para esse enigmático ser-juizforano, a cidade é mera passagem, lugar de
trânsito e de eternos trânsfugas. Por isso, raros são os estrangeiros que
acrescentam à cor local as tonalidades de suas cidades e países.
A construção de uma identidade histórica e afetiva de Juiz de Fora deve
privilegiar estratégias de afirmação do cosmopolitismo, resgatando as origens
polifônicas da cidade (negros, alemães, sírios, italianos, portugueses,
libaneses etc.) e criando espaços para a incorporação de manifestações
multiculturais. A continuar o desperdício deste cosmopolitismo latente, Juiz de
Fora corre o risco não apenas de permanecer na contramão do provincianismo, mas
de declinar do papel de pólo regional, de cidade educadora, de paradigma da
Zona da Mata.
Trata-se, antes de tudo, de forjar uma identidade, uma imagem de Juiz de
Fora, na qual os seus habitantes possam ler o que a cidade produz e contém.
Desta forma, a mentalidade do ser-juizforano se fará disponível para acolher
todas as dimensões do outro, para acrescentar-se das mínimas diferenças do
estrangeiro. Seria desnecessário dizer que a urdidura desta imagem identitária
de Juiz de Fora deve passar necessariamente pela cultura e pela arte, pela
divulgação ampla e sistemática das representações literárias, plásticas e
teatrais que se fez e se faz da cidade. De modo que, tanto para os seus habitantes
quanto para os estrangeiros, Juiz de Fora se torne uma cidade visível.
Fernando Fiorese
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