segunda-feira, 30 de julho de 2012

Colecionadores de objetos, colecionadores de memória

Quem não conhece alguém que coleciona objetos de família? A memória familiar não é feita somente das narrativas, mas também dos objetos que nossos antepassados nos legaram como herança. Nós temos inúmeros casos na literatura e no cinema, mas gostaria de falar sobre um filme que muito me impressionou. Trata-se do filme “Uma vida Iluminada” (2005) do diretor Liev Schreiber. Baseado em um romance de Jonathan Safran Froer, a história tem início nos Estados Unidos, quando a avó do protagonista morre. Jonathan (Eilaj Wood) é um jovem judeu americano em busca de informações sobre uma mulher que teria salvado seu avô do Holocausto, durante a Segunda Guerra, na Ucrânia. De jeitão meio calado e ensimesmado Jonathan é um colecionador de objetos familiares, guardando-os e catalogando-os pela data e pela pessoa de quem recebeu. Em seu leito de morte, sua avó lhe entrega dois objetos: uma foto onde aparece seu avô posando com uma outra moça e um colar que se encontrava no pescoço da foto da moça. De posse desses objetos e com o nome Trachimbrod, ele sai em busca da moça da foto na Ucrânia. Neste país, ele terá a ajuda de dois personagens: Alex e seu avô Alex, guias turísticos especializados em levar judeus em busca de lembranças de familiares desaparecidos e de uma cadela maluca cujo nome é Sammy Davi Jr. Jr. Durante a viagem, ele continua seu ofício de colecionador, juntando objetos que, no seu entendimento, são significativos para representar aqueles momentos. Á medida em que vão seguindo viagem, eles sentem dificuldades de encontrar o lugar da foto, pois ninguém o conhece. Ao fim de uma longa jornada pelo país, conseguem encontrar uma mulher, em meio a uma casa, cercada por um campo de girassóis (com toda certeza, uma das imagens mais bonitas do filme). Esta mulher, também uma colecionadora, apresenta inúmeras caixas onde se encontram os objetos que restaram das pessoas que foram fuziladas pelos nazistas em Trachimbrod, entre elas Augustine - a moça da foto - sua irmã e também primeira esposa do avô de Jonathan. A partir dos objetos e do seu relato, eles e nós também, conheceremos a história de um lugar que foi completamente dizimado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.  Jonathan e a irmã de Augustine não colecionam ao acaso e nem por algum hobby específico, eles colecionam para não esquecer. Jonathan porque demonstra um pavor ao esquecimento e a mulher para preservar a memória daqueles que falecerem em Trachimbrod e cuja memória está esquecida. Segundo Leila Ribeiro[1], “Jonathan, assim como a irmã da mulher que salvou seu avô, inscrevem-se no espaço de intermediação, que permite a perpetuação identitária e simbólica de um grupo através do visível ‘representado nas coleções por eles acumuladas. Representando mais do que objetos significantes, quando são expostos aos olhares humanos e experenciados magicamente, eles alçam alguns indivíduos ou grupos ao espaço do divino, no caso, do identitário”. Nesse caso, não é uma simples coleção de objetos, mas uma coleção de memórias, fruto de um desejo de um não esquecimento.

Rosali Henriques é mestre em Museologia, doutoranda em Memória Social pela Unirio - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.




[1] RIBEIRO, Leila. Uma Vida iluminada:  coleções e imagens narrativas.  XII Encontro Regional da ANPUH. http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Leila%20Beatriz%20Ribeiro.pdf

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