Raruza Keara Teixeira Gonçalves1
Wanessa Dose Bittar2
Lucia Santaella, em Cultura e artes do pós-humano, explica que esse fenômeno nada mais é que uma passagem de nossa evolução enquanto Homo socius3. Nesse sentido, disponível para ser revisitado, o passado apresenta que “depois da fala, vieram as escritas e todas as máquinas para a produção técnica de imagens, sons, audiovisuais e, atualmente, da hipermídia junto com os avanços das simulações computacionais na realidade virtual, robótica e vida artificial” 4.E esses rastros5 de nós mesmos indicam que para além da diferenciação entre tempos e espaços, a sensibilidade e o prazer estético estão presentes em nossos discursos e em ações comunicativas distintas, que se expressam em “tipografia, texturas, cores, imagens, signos e linguagens” 6. De forma que ao projetar a subjetividade do indivíduo ao alcance do social tem-se a forma para operar os muitos cruzamentos entre as possibilidades humanas e o processo tecnológico. A valorização dos novos ambientes socioculturais e a necessidade de medidas, que se comprometam com sustentabilidade e o desenvolvimento social, são pontos afins de nosso projeto que busca estabelecer a relação entre capital humano e cultural e a implementação de uma tecnologia social.
A matéria “Projeto de SP visa reutilizar retalhos de tecido para evitar desperdício” 7, de Fábio Turci, veiculada no Jornal Nacional do dia nove de julho e ainda disponível no site do telejornal, oferta uma questão relevante quanto ao uso de resíduos na criação de novos artefatos de consumo humano, no momento, em que se vislumbra um novo pensamento em direção ao impacto das ações dos indivíduos nomeio ambiente. Alguns dados dessa notícia nos chamam a atenção por nos apresentarem como a avalanche de retalhos de tecidos dispensados dia-adia pelas fábricas têxteis e confecções de roupas em todo o Brasil, geram um ciclo viciado no quesito do diga não a sustentabilidade. Isto porque, de acordo com os números apresentados pelo o jornal audiovisual mais tradicional do país, só em 2011, o Brasil importou 13 mil toneladas de retalhos, vindos principalmente de países europeus. Fato discrepante, visto que o país produziu, no mesmo ano, 175 mil toneladas, conseguindo reaproveitar desse montante apenas 36 mil na produção de barbantes, mantas e novas peças de roupas e fios. É fato, que essa questão do desperdício nos leva além de uma resolução simplificadora, afinal, ela depende de um esforço conjunto, que repense as tecnologias sociais, a iniciativa de órgãos públicos e privados e de meros mortais, que consomem e produzem lixo diariamente. De tal forma, que talvez a maneira como nos relacionamos com o residual, necessite não só de um novo olhar sobre o que é lixo, mas sim na forma de pensar, de criar, “de ser e fazer cultura a partir dele”. Ser cultura em prol do aproveitamento de resíduos é mais que forjar medidas sustentáveis, a partir da disseminação de sacolas ecológicas ou de práticas de reconhecimento do lixo em orgânico ou não por meio de tamboretes multicoloridos. Já que, essas medidas só poderão se efetivar como disciplinares na questão ambiental, se de fato conseguirem transpor as situações de descartar o lixo para as situações que envolvam o não produzir o lixo ou reaproveitamento do mesmo. A ideia de um consumo sustentável está imbricada nessas prerrogativas. Por isso, para ser a cultura do sustentável, é necessário fazer cultura através do que nos parece improvável, diminuto e escasso, é lançar mão de nossas possibilidades criativas a fim de reinventar o descartável, o residual.
O conceito do projeto8 foi elaborado a partir dessas postulações. Por meio da apropriação de restos de tecidos, lãs, couros, miçangas, fitas de cetim, correntes de metal e linhas, criou-se uma coleção de acessórios de moda. Sendo utilizada a técnica do crochê, ponto leque e ponto duplo com utilização de restos de materiais usados na confecção de roupas e em bijuterias em geral. Esta criação tem como prioridade ser uma cadeia produtiva sustentável, assim, tudo o que foi utilizado na confecção de nossa bolsa e cinto, peças maiores, foi também destinado à confecção dos acessórios de moda propostos. De forma a não descartar nenhum resíduo por menor que fosse sua dimensão em comprimento e largura. Reduziu-se a possibilidade de gerar lixo, incorporando à base estrutural dos acessórios, feita em crochê, todos os pequenos pedaços de tecido, lã e fitas que sobraram. No caso do colar, que tem a base circular em plástico, encapada também com crochê, buscou-se mais elementos têxteis, como restos de tecidos e pedaços de lãs maiores. Como em um retrato da bagunçada caixinha de aviamentos de vovós espalhadas por Minas Gerais e em tantos outros cantos do mundo, o trabalho busca criar a sensação de multicores e texturas, encobrindo, de certa forma a base onde se deposita os residuais. Além disso, uniu-se a característica artesanal à possibilidade de manutenção de uma produção nesse sentido, visto que reaproveita-se resíduos, como também utiliza-se de materiais disponíveis no mercado de aviamentos em geral. Portanto, o trabalho une artesanato e sustentabilidade ambiental e cultural à produção industrial, o que nos garante a viabilidade econômica dessas criações. Adota-se, então, a ideia central de Peter Drucker, “o equilíbrio de uma sociedade está em sua capacidade de compatibilizar tradição com modernidade, passado com futuro” 9.
http://g1.globo.com/videos/minas-gerais/t/todos-os-videos/v/designers-de-juiz-de-fora-mg-sao-finalistas-em-concurso-do-sebrae/2147754/
1 Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela UFJF . Ex-bolsista de Iniciação Científica. Mestranda do PPGCOM/UFJF. Integrante dos projetos de pesquisa “Cidade e memória: a identidade urbana pela narrativa audiovisual”. Gestora de marketing e produtora de moda da EntreNós. Email: raruzakeara@yahoo.com.br
2Graduada em Artes Visuais pela UFJF- Ex- bolsista de extensão da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares de UFJF. Pós graduada em Engenharia de Produção pela UFJF. Consultora na área de desenvolvimento de projetos de produtos personalizados e em projeto de serviço. Email:wanessabittar@yahoo.com.br
3 BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 27 ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
4 SANTAELLA, Lucia. Cultura e artes do pós-humano. São Paulo: Paulus, 2003 p.245.
5 Os rastros nos apresentam caminhos percorridos por outros homens em outros tempos. Homens que construíram suas histórias de vida, logo, deixando suas marcas. Os rastros são, antes de mais nada, signos de representação. BABOSA, Marialva Carlos. Meios de Comunicação e história: um universo de possíveis. In: Mídia e Memória A produção de sentidos nos meios de comunicação. Mauad X. Rio de Janeiro, 2007, p. 15-34. Org: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; FERREIRA, Lúcia Maria Alves.
6 PRYSTHON, Angela; CUNHA, Paulo (orgs.). Ecos urbanos: a cidade e suas articulações midiáticas. Porto Alegre: Sulina, 2008, p.117. 7 Disponível no site: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/07/projeto-de-sp-visa-reutilizar-retalhos-de-tecido-para-evitar-desperdicio.html. Data de acesso 15/07/2012.
7 Disponível no site: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/07/projeto-de-sp-visa-reutilizar-retalhos-de-tecido-para-evitar-desperdicio.html. Data de acesso 15/07/2012.
8 O projeto Tratamento de superfície de crochê com resíduos é um dos classificados do Prêmio Sebrae Minas de Design 2012 na categoria resíduos. O nome dos classificados está disponível: http://www.premiosebraeminasdesign.com.br/finaslitas-e-classificados-2012. E no Catálogo do SEBRAE/ Se funciona é design.
9 NETO, Eduardo Barroso. Design, identidade cultural e artesanato. Disponível em htpp://www.eduardobarroso.com.br/artigos.htm. Data de acesso em 8 de set. 2010.
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